Setembro amarelo: saiba quando procurar ajudar

Depressão e outras doenças mentais podem levar ao desejo de tirar a própria vida. Especialistas alertam sobre o momento certo de iniciar o tratamento
Por O Popular
Data: 16/09/2024
Kerielle Souza Rodrigues: “Agora estou na minha melhor versão. O medicamento me ajudou com certeza porque no nível que eu estava não seria o suficiente somente com terapia, mas a terapia me colocou em conexão com a minha essência” (Fábio Lima / O Popular)

Quem vê o sorriso fácil da psicóloga Kerielle Souza Rodrigues, de 35 anos, talvez não imagine as batalhas que ela enfrentou ao longo da vida. Desde a infância marcada por conflitos familiares e a violência do pai contra a mãe, até uma juventude difícil, quando passou por uma relação extremamente abusiva durante quase dez anos. Traições, mentiras e problemas financeiros culminaram no diagnóstico de depressão. O fundo do poço foi quando ela começou a ficar longos períodos durante o dia sem se alimentar, com a intenção de que seu corpo não suportasse mais.

"Não cheguei a tentar cometer o ato de tirar a minha vida conscientemente, mas inconscientemente por meio do transtorno alimentar, fui me privando de comida. Os pensamentos eram que, se eu parasse de comer, chegaria uma hora que o meu corpo não resistiria e eu acabaria morrendo", recorda-se. Rede de apoio, terapia e medicação foram fundamentais para que Kerielle chegasse à cura. Setembro é o mês dedicado à prevenção do suicídio. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano, cerca 700 mil pessoas perdem a vida dessa maneira.

Na época, ainda na faculdade de Psicologia, ao constatar que tinha os principais marcadores da doença, Kerielle iniciou uma terapia e foi indicada a buscar um psiquiatra. "O momento para se procurar ajuda é a partir do surgimento de qualquer um dos sintomas de depressão, como pensamentos negativos, alterações de sono ou apetite, humor deprimido, diminuição ou ausência de prazer, alterações na autoestima. A gravidade é determinada pela intensidade dos sintomas e pelo grau de disfuncionalidade. A medicação é o tratamento padrão", ressalta o médico psiquiatra Rogério Silveira.

O especialista reforça que o início da medicação depende do quadro da doença. Rogério explica que situações leves podem ser tratadas com psicoterapia, de acordo com os estudos mais atuais, abrangendo também os moderados, que são quando as atividades sociais de lazer estão comprometidas. Nos graves e nos moderados severos, o uso de remédios é "indiscutível", diz. "São pacientes que já não conseguem desempenhar quaisquer atividades, sobrevindo frequentemente ideação suicida ou tentativa de suicídio, alucinações e delírios. O tratamento deve ser iniciado imediatamente ao diagnóstico", afirma.

Segundo Rogério, muitos mitos e tabus relacionados ao tratamento com remédios, como, por exemplo, possibilidade de vício, assim como o medo de alteração da funcionalidade do paciente durante a utilização, atrapalham na busca por ajuda. "São drogas muito seguras, são moléculas seletivas que atuam no organismo apenas para produzir a resposta terapêutica. As medicações para depressão são denominadas antidepressivos e não apresentam risco algum de dependência. Com acompanhamento adequado, podem ser usadas por tempo indeterminado de forma segura e eficaz", comenta.

O psiquiatra ainda ressalta que a medicação pode ser descontinuada em várias situações com a anuência do médico responsável. "Se o paciente completa o tratamento, o remédio pode ser retirado. Lembrando que, quanto mais precoce o diagnóstico, maior a chance de descontinuar, nesse caso falamos em alta. Nesse momento, a pessoa deve estar livre de qualquer sinal de depressão. Se os sintomas apresentarem duração maior que dois anos, falamos em transtorno crônico e o tempo de tratamento é indeterminado, ou seja, há poucas chances de parar os remédios", complementa.

Hoje atuando na psicologia clínica e por ter passado por essa experiência, Kerielle Rodrigues conta que essa cicatriz serve como um instrumento para levar outras pessoas para o processo de cura. "Eu sempre falo que quem quer acabar com a vida não é porque quer morrer, é porque chegou no limite do limite da dor. Ele não está mais no seu juízo de valor e a única porta que ela acha para abrir é a do suicídio. Tenho vários relatos de alta de pacientes que chegaram no meu consultório dizendo que eu era a última esperança e tratamos com aquisição de autonomia e reestruturação cognitiva", conta.

"Agora estou na minha melhor versão. O medicamento me ajudou com certeza porque no nível que eu estava não seria o suficiente somente com terapia, mas a terapia me colocou em conexão com a minha essência. Quando saí da minha infância tive muitas crenças disfuncionais, que não era boa para ser amada, não era o suficiente para ser valorizada e que não conseguiria resolver os meus problemas sozinha. O que piorou na juventude. Já com alta, conheci meu atual marido, estabeleci uma relação funcional, passei pela transição de trabalho, rompi ciclos abusivos e tenho a missão de ajudar pessoas", celebra Kerielle.

Em qualquer idade

Doenças mentais podem surgir em qualquer fase da vida, desde a infância até a terceira idade. As causas às vezes não são completamente conhecidas, mas, além de predisposições genéticas, o meio social é um fator predominante. "A depressão pode atingir pessoas de todas as idades e níveis de renda. Fatores como a morte de alguém próximo, o fim de um relacionamento, debilitação física, problemas causados pelo consumo de álcool ou drogas, problemas financeiros, dentre outros fatores, podem contribuir muito com o surgimento dessas doenças", ressalta a psicanalista Fran Mendes.

Algumas medidas podem contribuir para uma boa saúde mental, segundo a especialista, como fazer terapia com um profissional de confiança, praticar exercícios físicos regularmente, relacionamentos saudáveis, desconexão de fatores que causam ansiedade e deixar as telas um pouco de lado. "A tristeza é natural do ser humano, uma emoção que pode ser desencadeada por acontecimentos variados. É um sentimento que possui vários níveis e que precisa ser observado. Geralmente causada por decepções, frustrações, desilusão amorosa, problemas financeiros ou coisas desagradáveis do dia a dia", conclui.

É preciso ficar de olho também com as crianças. Um estudo recente publicado na revista JAMA Psychiatry, que analisou dados da pesquisa Carga Global de Morbidade (GBD Study) de 2019, revelou que uma em cada dez crianças e jovens entre 5 e 24 anos já apresentava pelo menos um transtorno mental antes da pandemia. "Maus-tratos é um fator de risco muito importante para transtornos mentais nessa fase. Eles geram mudanças duradouras no funcionamento cerebral, que podem ser difíceis de reverter completamente e estão associadas à impulsividade e à regulação emocional prejudicada", explica a médica psiquiatra geral e da infância e adolescência, Jordana Verano.

A especialista aproveita para alertar sobre o ambiente virtual. "Pais e responsáveis devem saber sobre os conteúdos que seu filho acessa ou assiste. Em oposição a isso, é possível retratar o suicídio aumentando a conscientização sobre os suportes disponíveis para aqueles que lutam com pensamentos ou comportamentos suicidas". Ela acrescenta que há muitos desafios para o tratamento de transtornos mentais na infância e adolescência. "Crianças muitas vezes não conseguem comunicar claramente o que estão sentindo, o que torna a anamnese mais complexa e demanda tempo".

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