Igrejas atuam de olho em cadeiras no Legislativo

Denominações evangélicas endossam candidaturas buscando ampliar a representatividade; para analistas movimento reflete profissionalização cada vez mais intensa
Por O Popular
Data: 26/09/2024
Pastor Aluízio Silva no evento dos 25 anos da Igreja Videira: presença de autoridades e mensagem política (Andre Saddi)

"Nós não temos o costume de apoiar candidaturas majoritárias, mas nós precisamos de vereador e deputado. A igreja precisa constantemente. As demandas são muitas", disse o pastor Aluízio Silva a um séquito de cerca de 50 mil fiéis que lotou o Estádio Serra Dourada no dia 7 de setembro, durante o evento em comemoração dos 25 anos da Igreja Videira, fundada por ele.

A declaração ocorreu em um momento simbólico do evento, quando diversas autoridades e políticos foram chamados ao centro do palco para receber oração -- entre eles os candidatos à Prefeitura de Goiânia, o senador Vanderlan Cardoso (PSD), o empresário Sandro Mabel (UB), e o prefeito Rogério Cruz (SD). Nenhum deles fez uso da palavra.

Antes da oração, porém, enquanto elencava motivos de agradecimentos às autoridades e falava do entendimento da igreja sobre política, Aluízio reforçou o peso que as eleições proporcionais têm para a Videira. Foi nesse momento que apresentou seu genro, o administrador Silvio Vaz, candidato a vereador por Goiânia pelo MDB e a quem descreveu como alguém "que tem aspiração política". "Lembra de mim quando você pensar no Silvio; lembra do vosso pastor e da nossa igreja", disse.

A cena ajuda a compreender uma conduta que já se vê em diversas cidades do país e que também se espelha especialmente nas grandes igrejas em Goiânia em época de eleição: quando os líderes religiosos optam por escolher e endossar as candidaturas proporcionais, no intuito de ampliar os expoentes do segmento no Legislativo.

Para o cientista Político e professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) Pedro Pietrafesa, as igrejas evangélicas, de forma crescente, têm se preocupado em ocupar as instâncias políticas para propor leis e pressionar em favor de suas pautas. Esse movimento, segundo ele, está longe de ser espontâneo, sendo fruto de uma estratégia bem delineada.

"As denominações evangélicas têm sim essa preocupação de ocupar as instâncias políticas. Não à toa, candidatos vão às igrejas, cultos, para poder se apresentar não só como representantes desse segmento, mas para que tenham também votos necessários para ganhar eleições.", explica.

O crescimento do número de evangélicos no Brasil, segundo Pietrafesa, levou a uma maior influência desse grupo nas diversas esferas do poder, incluindo o Executivo e o Judiciário. "O que se tem é uma profissionalização das denominações de como seus candidatos podem ter capilaridade para ganhar eleições, depois ter visibilidade (...) A gente nunca pode negligenciar e achar que é tudo feito de maneira espontânea", diz.

Ainda que com nuances próprias, a Igreja Luz Para Os Povos adota uma estratégia semelhante à da Videira para tratar de política. Fundada pelo apóstolo Sinomar Silveira, morto no mês passado, a denominação tem histórico de relações com o poder e já foi representada tanto na Câmara Municipal quanto na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) pelo pastor Simeyzon Silveira, filho de Sinomar. Ele diz à reportagem que, nesta eleição, a igreja apoia o projeto de reeleição do vereador Raphael da Saúde (SD). "Tem outros candidatos dentro da igreja, mas o candidato que é reconhecido como candidato da igreja é ele", afirma.

Segundo Simeyzon, não há intenção de aderir à tática de usar o púlpito para erguer o nome de um candidato. "A gente usa muito o trabalho nas casas. Mas no culto não se faz nenhum tipo de campanha. Não damos a palavra para nenhum candidato. O máximo que se faz é uma oração", afirma. "Nas casas, é mais a parte de conscientização da importância que o segmento tem no processo eleitoral de eleger seus representantes, o envolvimento das pessoas para o processo eleitoral", complementa.

A Assembleia de Deus Campo Campinas também guarda similaridades com outras denominações ao influir politicamente por meio de seus representantes. Não raro, tem o costume de receber as autoridades goianas em ocasiões especiais. No mês passado, por exemplo, no aniversário do pastor Abinair Vargas, a igreja reuniu no mesmo púlpito figuras antagônicas como o ex-governador Marconi Perillo (PSDB) e o atual vice-governador Daniel Vilela (MDB).

Nesta eleição, a denominação direciona apoio a três nomes do Podemos: a vereadora Léia Klebia, que busca se reeleger, o ex-vereador Divino Rodrigues e o ex-assessor da secretaria estadual de Educação Lucca Perdigão.

A filiação dos candidatos à mesma sigla não é por acaso. O bispo Oídes José do Carmo, presidente do Campo Campinas e também da Convenção Estadual dos Ministros Evangélicos das Assembleias de Deus de Goiás (Conemad-GO), afirma ao POPULAR que trata-se de uma estratégia para não dispersar os votos e garantir a cooperação mútua entre os três postulantes à Câmara de Goiânia.

É a liderança da igreja, inclusive, que filtra quem são os membros que pretendem se candidatar e os que têm chance de vitória, dado a dimensão de seus projetos e o estofo de cada um deles. Só após essa triagem que a denominação passa então a apoiar as candidaturas. "Não importa o partido em que ele está, desde que o partido seja de direita, porque essa é a posição da ideologia cristã", diz Oídes.

Sobre a atuação, o bispo afirma que, normalmente, os postulantes aos cargos proporcionais "não sobem em púlpito, não têm direito à palavra, e nem pastor fica falando deles". "O trabalho é feito mesmo na rua, nas casas, em reuniões que eles promovem nos bairros, às vezes em salões de eventos, residências... Onde a lei permite", prossegue.

Fragmentação

Vinicius do Valle, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Observatório Evangélico, aponta para uma fragmentação no apoio evangélico, especialmente nas eleições proporcionais, em que as igrejas não têm a mesma unanimidade vista nas eleições majoritárias. "Na eleição municipal há uma dinâmica em que as igrejas têm menos unanimidade e coordenação entre si para apoio ao Executivo, mas paralelamente a gente tem essas igrejas saindo cada uma por si ou em alianças entre ministérios e grupos", observa.

Valle afirma que, no contexto municipal, muitas vezes, as igrejas competem entre si ao lançar seus candidatos ao Legislativo. Isso faz com que esses candidatos estejam em chapas diferentes, apoiando prefeitos distintos, o que difere do cenário unificado visto em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições passadas.

Já pastor Gentil Rosa, líder da Igreja Bethel, é incisivo ao defender a participação evangélica na política. "Nós não podemos simplesmente cruzar os braços e deixar cada um fazer o que quer. Nós temos que participar, influenciar, ajudar", diz ele ao POPULAR. Nesta eleição, o apoio é concentrado no projeto de reeleição do vereador Welton Lemos (SD), que chegou à Câmara em 2020. Na visão do pastor, um dos trunfos do trabalho do parlamentar foi não se limitar à questão religiosa.

"Não queremos dizer que nós queremos ocupar todos os espaços; nós queremos que esses espaços sejam ocupados por pessoas que pensam macro, no bem estar de todos. A gente do segmento evangélico tem uma visão macro das coisas. Nós não estamos olhando para o nosso umbigo somente", defende.

Já a Igreja Universal do Reino de Deus, por sua vez, adota abordagem de oferecer ao seu vereador, Isaías Ribeiro (Republicanos), candidato à reeleição, a liberdade de não colar necessariamente sua imagem à denominação. "Dentro da igreja, não se fala de mim nem de ninguém politicamente. O trabalho é feito da porta pra fora, em reuniões com famílias, feiras, eventos nos bairros", afirma o parlamentar.

Outro vereador que busca reeleição mas diz não querer ter sua imagem estritamente ligada à igreja é o médico Gian Said (MDB), pastor na Igreja Apostólica Fonte da Vida e genro do apóstolo César Augusto, fundador e líder da denominação. O parlamentar tergiversa aos questionamentos sobre ser endossado pela instituição, contrapondo com amostras de ações na área em que se considera mais atuante -- a saúde. No início do mês, César Augusto publicou nas redes sociais vídeo ao lado de Gian, em que o chama de "meu vereador".

Para Valle, o aumento de representantes religiosos no Legislativo pode gerar uma assimetria. "Você tem uma presença maior de um determinado grupo religioso no Estado, e essa presença faz com que exista uma hierarquia de poder, o que pode implicar em políticas como o estado acabar promovendo uma visão que é a de determinada religião", afirma o sociólogo.

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