Varejista com dívida de R$ 4,3 bilhões pede recuperação judicial

Empresa transferiu sede para Goiânia, onde transita um dos maiores processos de RJ do País, que foi ajuizado em caráter emergencial
Por O Popular
Data: 21/10/2024
Eron Martins, CEO do AgroGalaxy: readequar negócio para continuar trabalhando (Divulgação/Agrogalaxy)

Uma das maiores recuperações judiciais do Brasil, do Grupo AgroGalaxy, um dos grandes varejistas de insumos agrícolas, acontecerá em Goiânia, para onde a empresa transferiu sua sede no início deste ano. Com um montante de endividamento de R$ 4,3 bilhões, este é considerado um dos maiores processos de Recuperação Judicial (RJ) em andamento no País atualmente. A empresa atribui o desequilíbrio financeiro à crise generalizada no agronegócio brasileiro, em virtude da queda dos preços das commodities, problemas climáticos e aumento global dos custos de produção.

Além da alta do índice de inadimplência dos agricultores, o AgroGalaxy alega que ainda sofreu os impactos da queda das vendas e da receita, ao mesmo tempo em que a aceleração da taxa básica de juros elevou o montante da dívida e impactou o fluxo de caixa da companhia.

De acordo com a AgroGalaxy, o pedido de RJ foi ajuizado no último dia 18 de setembro em caráter emergencial, diante do vencimento antecipado de operações financeiras, como forma de proteger seus ativos e os de suas investidas, e viabilizar a readequação de sua estrutura de capital.

Para a empresa, a aprovação do pedido, que foi aceito no dia 1º de outubro, assegura a proteção legal necessária para que a companhia possa manter sua operação, enquanto renegocia seus compromissos com os credores "O deferimento do pedido é decisivo para o AgroGalaxy superar os desafios impostos por esse cenário adverso. Nossa prioridade, a partir de agora, é a implantação deste plano de recuperação que nos permitirá readequar nosso negócio de varejo e seguir trabalhando pelo agronegócio brasileiro, com apoio aos produtores rurais", afirma Eron Martins, CEO do AgroGalaxy.

Segundo ele, para enfrentar esse cenário desafiador e honrar as obrigações com clientes, fornecedores, funcionários e credores, a empresa também está adotando uma série de iniciativas com o objetivo de reduzir despesas, otimizar o mix de produtos e, principalmente, garantir uma gestão eficiente do capital de giro, buscando maior competitividade e sustentabilidade do negócio no longo prazo.

Somente no segundo trimestre deste ano, a AgroGalaxy registrou um prejuízo ajustado de R$ 362,4 milhões, uma piora de 40,9% em relação ao mesmo período de 2023. A receita líquida total da empresa, que inclui insumos e grãos, caiu 42,4%, totalizando R$ 1,056 bilhão. A receita proveniente de insumos teve uma redução de 58% e a de grãos registrou queda de 36,8 milhões, com um ritmo de compras bem menor por parte dos produtores.

Transferência

A transferência da sede da empresa de São Paulo para Goiânia, no primeiro semestre deste ano, foi criticada por instituições financeiras credoras da AgroGalaxy. Mas o Tribunal de Justiça de Goiás decidiu que o processo de Recuperação Judicial deve seguir em Goiânia, pois a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás negou agravo de instrumento apresentado pelo Banco do Brasil, confirmando a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau da 19ª Vara Cível e Ambiental da Comarca de Goiânia, onde tramita a RJ.

O Banco do Brasil pediu que o processo fosse remetido para a cidade de São Paulo, além de defender que não existiriam certos requisitos para a concessão das medidas liminares em favor das empresas. Isso porque a AgroGalaxy entrou com pedido de concessão de tutelas cautelares de urgência para que os bancos não fizessem descontos de parcelas de contratos nas contas das empresas do grupo.

Três desembargadores que compõem órgão colegiado reconheceram que Goiânia é a cidade onde a AgroGalaxy (holding do grupo) possui sua sede, sendo o local de onde emanam as principais decisões do grupo e onde está concentrada parte relevante de suas operações. Para especialistas em Recuperação Judicial, a mudança pode ou não fazer parte de uma estratégia jurídica da empresa, a fim de garantir o sucesso da medida.

O assessor financeiro de empresas em processo de RJ, Marcelo Camorim, lembra que, em São Paulo, existem varas especializadas nestes processos, com juízes extremamente capacitados, que são totalmente focados no tema. Já em Goiânia, não existe esta especialização e os juízes têm várias atribuições, cuidando também de outras varas, como cível, fazenda pública, do trabalho, etc. Por isso, ele nomeia administradores judiciais, que são auxiliares de sua confiança. No caso da AgroGalaxy, os administradores nomeados são os advogados Miguel Cançado e Aloísio Craveiro Ramos.

Para Camorim, uma das hipóteses da opção por Goiânia pode ser uma estratégia jurídica, pela possibilidade das varas especializadas de São Paulo terem um nível de exigência mais elevado, que poderia dificultar o processo. Outra possibilidade pode ser um maior poder de influência que a empresa possa ter em Goiás, justamente por ter nascido no estado, e que talvez não tenha em São Paulo, onde tudo pode ser mais inacessível. "Mas os bancos também podem achar que teriam uma maior acessibilidade na Justiça paulista, por isso reivindicaram que o foro de competência fosse lá", destaca Camorim.

dimensão

Para o advogado Fabrício Cândido Gomes, especialista em Direito Empresarial, que há 23 anos participa de processos de recuperação judicial, esta RJ chama a atenção pelo tamanho, podendo estar entre as dez maiores do País, por conta da dívida de R$ 4,3 bilhões. "Mas o montante não é de se estranhar, considerando a movimentação econômica do agronegócio no Brasil. Além disso, é uma empresa que fornece insumos para várias empresas rurais de grande porte", lembra.

Ele ressalta que a lei 11.101/2005, que teve algumas alterações em 2014, é relativamente nova, mas foi bem testada e determina que o processo pode correr onde está o centro de inteligência de negócios da empresa ou seu principal estabelecimento. Para o advogado, a preocupação dos credores que contestam a localização do foro de competência do processo também é justificada, diante do fato da empresa, que tinha sede em São Paulo, mudar para Goiânia poucos meses antes de pedir a RJ.

"Mas não é errado mudar para cá, pois o foro precisa ser onde está a holding, que é a controladora. Agora, é aqui", avalia Gomes. Para ele, a mudança ter ocorrido pouco antes do pedido pode, realmente, ser porque a cidade é ponto de tomada de decisões da empresa e ter uma maior movimentação logística. Outro fator que pode ter pesado na decisão é a estratégia para redução dos custos da operação. "Ela pode ter optado por iniciar sua recuperação cortando custos e trazer a sede para Goiânia pode ajudar neste processo", destaca.

Para o jurista, é normal que os advogados da parte contrária suponham que a empresa está buscando algum tipo de favorecimento. "Mas são alegações frágeis diante da Justiça, feitas através de suposições. A lei da RJ não determina prazo para alteração de domicílio", destaca. Ele acredita que o Judiciário goiano está preparado para receber uma recuperação deste porte, pois já abrigou a maior falência do Brasil, a da Encol, que serviu de referência para todo País.

"Este caso serviu de orientação até para a formatação da Lei de Falências. Além disso, nosso Judiciário não perde para o de São Paulo. Temos juízes muito qualificados e que fazem um processo andar na mesma velocidade. Não acredito na busca por vantagem por parte da empresa", completa.

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