
Suspensão pelo STF de ações sobre pejotização pode favorecer fraudes

A suspensão de todos os processos que correm na Justiça sobre a licitude da pejotização, atualmente, pode trazer prejuízos ao trabalhador e até incentivar irregularidades em contratos de trabalho. Isso porque, segundo especialistas, muitas empresas utilizam o mecanismo para "mascarar" relações trabalhistas com características de vínculo empregatício. Eles alertam que a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retira a devida competência da Justiça do Trabalho sobre estes conflitos e pode atrasar processos em andamento, caso não haja uma rápida deliberação sobre o caso.
A pejotização é um mecanismo usado por empresas para contratar funcionários como pessoa jurídica (PJ) sem vínculo empregatício ou encargos trabalhistas. Ela aumentou com a criação de MEI (microempreendedor individual), onde o trabalhador recebe um número de CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) e tem direito a aposentadoria, auxílio-maternidade e afastamento remunerado por doença, pagando uma taxa mensal de cerca de R$ 80.
Na contratação pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o funcionário responde a um superior, tem horário determinado e executa tarefas específicas, o que não pode haver nas contratações de pessoa jurídica (PJ). Se houver uma relação de subordinação, ela pode ser caracterizada como vínculo empregatício por juízes do trabalho. Gilmar Mendes alega que o Supremo tem decidido, em ações diversas, pela legalidade da contratação via pejotização, sem a criação de um vínculo de emprego entre a empresa e o funcionário.
Segundo a Justiça do Trabalho, só nos dois primeiros meses deste ano, foram abertos 53.678 processos por "reconhecimento de relação de emprego", um subgrupo amplo e que compreende ações por pejotização, trabalhadores sem carteira assinada e, em alguns casos, até trabalho análogo à escravidão. Foram 153.198 processos abertos em 2022, 180.642 em 2023 e 285.055 em 2024. Os processos por "reconhecimento de relação de emprego" são o 15º assunto mais tratado pela Justiça do Trabalho este ano.
Para o advogado trabalhista Ernane Nardelli, decisões tomadas pelo STF há algum tempo trazem certa insegurança para o mercado de trabalho. Segundo ele, a pejotização precariza a relação de trabalho, pois o trabalhador deixa de ter vínculo com a empresa e as garantias que a CLT traz, como férias, 13º salário, aposentadoria e auxílio-doença. "Isso interpreta de forma de restritiva a relação de trabalho, pois não deixa o juiz do trabalho analisar eventuais fraudes nesta contratação", alerta.
A principal irregularidade cometida por algumas empresas é contratar pessoal com subordinação e mascarar este vínculo empregatício através de um contrato de prestação de serviço. "É um funcionário como outro qualquer, mas trabalhando como pessoa jurídica", destaca o advogado.
O problema, de acordo com ele, é que o trabalhador é a parte hipossuficiente nesta relação e não tem muita escolha: é pegar da forma como está sendo oferecida a oportunidade de trabalho para não perder o emprego. "O que vemos mais hoje é a contratação direta por PJ, mas com regras de CLT, como cumprimento de horário e exigências de cumprimento de ordens", explica.
Decisões como essa do STF seriam uma das causas do crescente neste número de contratações nesta modalidade. Para Nardelli, se esta decisão se tornar definitiva, essa pejotização deve aumentar muito mais. Isso porque ela impede que os juízes avaliem se existe fraude ou não na contratação que se tornou alvo de um processo. "O que o Supremo determina é que caberia a Justiça comum determinar ou não a fraude. Mas isso é incumbência da Justiça do Trabalho, uma garantia constitucional para o trabalhador", avalia o advogado.
Realidade
O consultor jurídico Murilo Chaves, representante da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Goiás (ABRH-GO), concorda que já há um aumento da pejotizaçao nas empresas, pois é fato que existem algumas ocupações que não demandam mais carteira assinada, como cargos de chefia e a prestação de serviços. "Esta é uma realidade porque o mercado também evolui, mas também existem muitas empresas que usam isso para mascarar contratações características de vínculo empregatício", alerta.
Ele lembra que houve uma redução das ações trabalhistas logo após a reforma trabalhista, em 2017, e que o aumento da judicialização também é consequência do aumento do emprego formal. Porém, Chaves acredita que a suspensão dos processos pelo STF é prejudicial porque a competência destes processos é da Justiça do Trabalho. "O Supremo deve intervir apenas quando houver infração constitucional em alguma ação trabalhista ou cível. Mas, desta forma, ele suspendeu milhares de ações sem prazo, sem definição do julgamento, o que é prejudicial ao trabalhador", afirma.
Agora, a expectativa é que o assunto seja pautado o quanto antes no STF, que tenha uma decisão rápida e que defina que a Justiça do Trabalho é que tem a devida competência para analisar caso a caso e definir se há ou não pejotização com contrato de trabalho ilícito. "Muitas empresas usam isso para mascarar contrato de trabalho que tem todos os requisitos de um vínculo de emprego, como subordinação ou cumprimento de carga horária pelo trabalhador", explica o advogado que representa a ABRH-GO.
Ele lembra que a decisão do STF terá efeito vinculante para todos os processos no País inteiro. "O mercado de trabalho se moderniza de acordo com as demandas. Mas a pejotização aplicada da forma como está, de forma ampla e irrestrita, para todas as funções, sem ser tratada como uma excepcionalidade, prejudica o direito de trabalho como um todo, colocando pessoas sem a menor qualificação de empreendedoras como pessoa jurídica", adverte Murilo Chaves.
Questionada sobre a decisão do STF de suspender todas as ações sobre pejotização, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) afirmou em nota que é a favor da defesa dos direitos sociais do trabalho e da competência da Justiça do Trabalho. "Somos contrários às decisões que têm levado à ausência de compromisso social das empresas, retirando suas responsabilidades em detrimento do trabalho humano e decente, aprofundando o quadro de precarização das relações individuais e coletivas de trabalho no Brasil", diz ainda a nota.
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