Hospital Araújo Jorge vive dias de insegurança

Com R$ 55 milhões para receber da Prefeitura de Goiânia, a principal unidade de tratamento contra o câncer em Goiás enfrenta problemas; prefeito eleito promete repasses de R$ 12 milhões
Por O Popular
Data: 18/12/2024
Maria de Jesus ficou preocupada com restrição, mas conseguiu atendimento para fazer quimioterapia (Fábio Lima / O Popular)

A decisão da direção do Hospital de Câncer Araújo Jorge de suspender os atendimentos de primeira consulta oncológica assustou pacientes que dependem da unidade de alta complexidade para continuarem vivos. A interrupção das consultas é mais um capítulo da grave crise instalada na Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia e deve afetar novos 215 pacientes, que deixarão de ser atendidos na unidade até 1º de janeiro.

Como a maioria absoluta dos atendimentos do Araújo Jorge é feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o hospital, que é referência no tratamento de câncer, não pode absorver novos pacientes. O motivo é o atraso de valores superiores a R$ 55 milhões que vieram do Ministério da Saúde e não foram repassados pela administração de Rogério Cruz.

A suspensão causou um efeito dominó nos atendimentos até mesmo de quem já está em tratamento há anos. Divina Aparecida Pereira de Menezes, 60 anos, veio de Cromínia na manhã desta terça-feira (17) e fez a consulta marcada, mas não conseguiu a medicação e nem mesmo agendamento. "O pior é que venho na van da prefeitura e agora entra um período de recesso", disse ela. O serviço é realizado por telefone, via mensagem, que estava congestionado. "Não consegui nenhum retorno."

Reclamação parecida com a do agricultor José Airton da Silva, 70, morador da zona rural de Itapuranga. Ele foi atendido na consulta, mas não teve resposta para receber a injeção da hormonioterapia que precisa tomar de três em três meses.

José Airton faz tratamento contra um câncer de próstata desde 2022 e cada viagem a Goiânia para ir ao Hospital Araújo Jorge exige dele muito esforço. "Moro a 8 km de Itapuranga e preciso pegar o carro da prefeitura para viajar. Levanto às 3 horas da madrugada e faço esse caminho de bicicleta", contou. Normalmente, a injeção é aplicada no mesmo dia da consulta, mas nesta terça-feira (17), o agricultor temia retornar ao seu município sem conseguir a medicação. No final da manhã ele se dirigiu à Ouvidoria do hospital para fazer a reclamação.

Aos 84 anos, Maria de Jesus de Souza deixou sua casa em Gurupi (Tocantins) há sete meses para fazer tratamento no Hospital Araújo Jorge com o objetivo de combater um câncer de intestino. Desde então a idosa se transferiu para a casa da filha Sandra, em Aparecida de Goiânia. Ontem, após uma série de sessões de radioterapia, ela faria a primeira quimioterapia. "Quando vi a suspensão do atendimento, fiquei preocupada porque era a primeira sessão, mas graças a Deus deu tudo certo", disse Sandra, aliviada.

A data de 1º de janeiro para retomar o atendimento a novos pacientes foi estabelecida porque é o dia da posse do prefeito eleito de Goiânia, Sandro Mabel. "Ele está empenhado em resolver, manifestou preocupação e me comprometi a começar a gestão dele com o pé direito", disse o presidente da Associação de Combate ao Câncer de Goiás (ACCG), Alexandre João Meneghini. O médico explicou que a frenagem na regulação foi decidida após uma conversa com o interventor da SMS de Goiânia, Márcio de Paula Leite, nomeado pelo governador Ronaldo Caiado, após decisão judicial. "Ele está numa situação delicada, mas nós estamos inseguros com R$ 55 milhões para receber."

Alexandre Meneghini explica que o montante diz respeito à produção do hospital, processos administrativos - alguns concluídos há mais de três anos -, portarias federais, emendas parlamentares, entre outros. "Quem está em tratamento vamos garantir até o final. É nosso dever e nossa responsabilidade, contando com o que temos em estoque e com nosso corpo clínico, mas é impossível colocar mais alguém." Anualmente, o Araújo Jorge realiza cerca de 80 mil atendimentos, 90% deles pelo SUS. "Nos últimos dois meses, nossa dívida aumentou em mais de 20%", lamentou.

Colaboradores

Os valores retidos pela Prefeitura de Goiânia impediram o hospital de pagar despesas operacionais essenciais, como a compra de insumos e quitar a folha de pagamento. "Eu não sei o que fazer. Temos 1,6 mil colaboradores que não sabem se vão receber o 13º salário", disse Alexandre Meneghini.

Ele detalha que investimentos estruturais estão atrasados, como a substituição de um acelerador linear, fundamental para a radioterapia. "Nosso parque é antigo. Temos um aparelho de 1999 e outro de 2010 e 350 pacientes para atender todos os dias. Queremos instalar um novo e depois trocar os antigos para não parar, mas não dinheiro. Gastamos mais de R$ 4 milhões de quimioterápicos por mês. Fomos usando nossas reservas."

O presidente da ACCG relata que a situação vem sendo relatada pela direção do hospital desde abril junto às Secretarias Estadual de Saúde e de Goiânia. "Agora estou tentando uma audiência no Ministério da Saúde, que nos paga religiosamente, mas o dinheiro é retido pela Prefeitura de Goiânia."

Justiça libera recursos do SUS

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) divulgou, por meio de nota, que a Justiça emitiu alvará de liberação dos recursos SUS destinados aos serviços de assistência da Média e Alta Complexidade (MAC), como é o caso do Araújo Jorge. "A SMS aguarda, portanto, o dinheiro retornar à conta para que possa proceder com os pagamentos", diz o comunicado. A pedido do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), um total de R$ 57 milhões foram bloqueados pela Justiça. Questionada, a SMS não detalhou quanto desse recurso será destinado ao Araújo Jorge.

O interventor da Saúde municipal, Márcio de Paula Leite, garantiu que todos os esforços estão sendo empregados para sanar o problema, mas admite que 15 dias serão insuficientes para resolver todos os transtornos acumulados que vêm afetando a saúde pública.

Em entrevista coletiva ocorrida na manhã desta terça-feira (17), o prefeito eleito de Goiânia, Sandro Mabel (UB), contou que se reuniu com o presidente da Associação de Combate ao Câncer em Goiás (ACCG), Alexandre Meneghini, nesta segunda-feira (16) para discutir a dívida. "Arrumamos R$ 9 milhões de pagamento", disse. Segundo Mabel, a futura gestão conseguiu mais R$ 4 milhões em emendas parlamentares, que devem ser pagas até o final deste mês. "Tínhamos segurado essas emendas um pouco, porque ainda não tinham feito a intervenção. Não queria que esse dinheiro chegasse, caísse na conta do fundo e gastassem", explicou. Segundo ele, foi feito um compromisso com a ACCG de que os atendimentos serão retomados no dia 1º de janeiro.

O POPULAR entrou em contato com o Araújo Jorge para comentar o assunto, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. (Colaborou Mariana Carneiro)

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